MODELO DE CONTESTAÇÃO DE OFÍCIO REQUISITÓRIO DO MP

22/08/2018 18:43

DECISÃO

 

A Polícia Civil do Estado do Paraná, por intermédio do Delegado de Polícia que este subscreve, no uso das atribuições conferidas pelo art. 144 da Constituição Federal, art. 47 da Constituição do Estado do Paraná, art. 2º da Lei Complementar Estadual 12/82, e dos dispositivos do Código de Processo Penal, Lei 12.830/13 e demais diplomas legais correlatos, profere a seguinte decisão, expondo os fatos e fundamentos a seguir.

Trata-se do Ofício Requisitórionúmero/ano, recebido em dia/mês/ano, no qual o Ministério Público requisita diligências requisitadasno bojo do Termo Circunstanciado de Ocorrência número/ano, confeccionado pela Polícia Militar.

Em primeiro lugar, vale ressaltar que a segurança pública é composta por 2 atividades principais: preservação da ordem pública (realizada através de policiamento ostensivo pela Polícia Administrativa) e apuração de infrações penais (realizada por meio da investigação criminal pela Polícia Judiciária). Como se sabe, as atribuições de polícia judiciária e investigação de crimes comuns incumbem à Polícia Civil, comandada por Delegado de Polícia, sendo a esfera de atuação da Polícia Militar bem diversa, qual seja, a polícia ostensiva (arts. 144, §§4º e 5º da Constituição Federal, art. 2º, §1º da Lei 12.830/13, art. 8º do CPPM, art. 3º do Decreto-Lei 667/69 e art. 2º, XI da Resolução 8/12 da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Ambas as tarefas são importantes, de modo que a impossibilidade de a PM investigar crimes comuns não representa demérito para sua importante função de prevenção de infrações penais.

Mais do que mero preciosismo burocrático ou limitação aleatória de poder, a repartição constitucional de atribuições, o princípio da legalidade e a competência do ato administrativo qualificam-se como direito fundamental do cidadão, no sentido de que somente será alvo de ação estatal pelo agente competente. Essa sistemática acaba por evitar a hipertrofia de poder e indicar que na persecução penal os fins não podem justificar os meios, e a pessoa investigada não pode ser colocada na condição de objeto.

Nesse sentido, o ordenamento jurídico (não só a Lei 9.099/95, mas todas as demais normas da legislação esparsa como as Leis 12.850/13, 9.613/98, 11.343/06, 9.296/96, 13.431/17, 11.340/06, 13.432/17, 8.069/90, dentre tantas outras) outorgou ao Delegado de Polícia a condição de Autoridade Policial, a quem incumbe a presidência da investigação criminal e a realização de análises técnico-jurídicas, diversamente do miliciano, que consiste em agente da Autoridade Policial e não pertence a carreira jurídica (STF, ADI 3460 e RE 401.243; NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 827).

Dentre os vários procedimentos investigatórios policiais, existe o termo circunstanciado de ocorrência, hospedado na Lei 9.099/95, e que como tal também deve ser lavrado pela Autoridade Policial (Delegado de Polícia). Ainda que mais simples, não deixa de ser um procedimento de investigação policial. O legislador deixou claro que:

Quando nós falamos em outros procedimentos previstos em lei, em termos de investigação, nós estamos falando, em primeiro lugar, da chamada verificação preliminar de informações (...) E o outro procedimento é o termo circunstanciado de ocorrência, que se aplica para aqueles casos de delitos de menor potencial, e que está previsto na Lei 9.099/95(Parecer 409/2013 acerca do Projeto de Lei 132/12 (que após aprovação foi convertido na Lei 12.830/13), rel. senador Humberto Costa, DP 29/05/2013).

 

E que não se alegue que existe portaria, resolução ou qualquer outro acordo autorizando a PM a lavrar TCO. Como ensina a doutrina:

Importante mencionar a inconstitucionalidade dos acordos entre a polícia administrativa e o Ministério Público, geralmente formalizados como termo de convênio ou de cooperação, que objetivam autorizar a lavratura de termo circunstanciado de ocorrência pelos policiais ostensivos. O ajuste não se presta a legitimar a usurpação de função, porquanto o ato infralegal não se sobrepõe à Constituição Federal. O ato normativo infraconstitucional deve ser compatível com a Lei Maior, e não o contrário. Configura verdadeiro estelionato jurídico a pretensão de redefinir a repartição constitucional de atribuições por meio de mero acordo bilateral, como se emenda constitucional fosse. (HOFFMANN, Henrique. Polícia Judiciária e Garantia de Direitos Fundamentais,. In: HOFFMANN, Henrique. et al. Investigação Criminal pela Polícia Judiciária. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.p. 5).

 

A Suprema Corte nunca se manifestou de forma colegiada no sentido de alargar indevidamente o conceito de Autoridade Policial; pelo contrário, possui precedentes em que afirma com todas as letras que o Delegado é quem ocupa essa posição e por ele deve ser lavrado o TCO, sob pena de usurpação de função pela Polícia Militar (STF, RE 702.617 e ADI 3614).

Pois bem. Infelizmente a PM tem rasgado a Constituição e lavrado TCO em franca violação ao princípio da legalidade. Por mais absurdo que possa parecer, o membro do MP pode perfeitamente concordar com a teratologia, dentro de sua independência funcional. O que não pode de maneira alguma é pretender estabelecer uma investigação criminal frankensteiniana, iniciada pela Polícia Militar e finalizada pela Polícia Civil. Ora, se um procedimento de investigação criminal foi instaurado por uma Instituição, por ela deve ser encerrado.

Exatamente por essa razão é que o MP não pode instaurar PIC e, detectado seu fracasso, remetê-lo à Polícia Judiciaria requisitando a instauração de inquérito policial, criando investigação híbrida. A doutrina é firme ao lecionar:       

Há situações em que o membro do Ministério Público dá início à investigação solitária, sem inquérito que a acompanhe. Passados meses, por vezes anos, sem ter chegado a um termo interessante, vale dizer, não havendo descoberto crime algum, não pode o promotor/procurador da República enviar o seu procedimento investigatório criminal frustrado para a polícia judiciária, com requisição de instauração de inquérito.

Em primeiro lugar, a polícia judiciária não é órgão subalterno do Ministério Público, que possui, constitucionalmente, o seu controle externo, vale dizer, a fiscalização dos atos policiais. Em segundo lugar, a polícia judiciária não foi comunicada da investigação, que se iniciou muito tempo antes, para que pudesse efetivamente colaborar; logo, não é depósito de PICs malsucedidos. Seria desconsiderar a figura do Delegado de Polícia. Em terceiro lugar, como já se disse, assumindo o ônus investigatório, o Ministério Público deve concluí-lo e, não havendo provas, pleitear o seu arquivamento ao Judiciário. Lembremos que, arquivado o inquérito ou o PIC, somente poderá ser desarquivado com provas substancialmente novas. Então, remeter o caso para que a polícia continue a investigação frustrada é contornar o direito consolidado de quem é investigado de fazer cessar tal intromissão em sua vida, a menos que surjam novas provas. Em quarto lugar, basta fazer o raciocínio inverso, vez que não há hierarquia entre as instituições, ou seja, nenhum tipo de subordinação. Imagine-se o delegado findar o inquérito, sem solução, e encaminhá-lo ao Ministério Público sugerindo que prossiga a investigação a partir dali. Seria considerado um rebelde. Ora, utilizar o poder requisitório que lhe foi conferido constitucionalmente para tergiversar, fazendo uma investigação frustrada prosseguir, constitui evidente desvio funcional, gerando constrangimento ilegal. (...)

Se o Ministério Público tanto quis investigar sozinho (insisto sempre: de modo solitário; sem qualquer outra instituição imiscuindo-se), que o faça bem feito agora. Mas não tem sentido falhar e “determinar” que outra instituição, com a qual não possui vínculo de subordinação, prossiga de onde parou. (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 173).

 

Exatamente por isso que, quando o STF autorizou o MP a investigar (RE 593.727) à míngua de autorização constitucional, afirmou que “deve o membro do MP conduzir a investigação sob sua direção e até sua conclusão” (HOFFMANN, Henrique; NICOLITT, André. Investigação criminal pelo Ministério Público possui limites. Revista Consultor Jurídico, jul. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jul-30/opiniao-investigacao-criminal-mp-possui-limites>. Acesso em: 30 jul. 2018).

Com efeito, o suspeito tem o direito de não ser investigado indefinidamente por várias instituições, em ataque mortal ao ne bis in idem. Não existe previsão legal para se transformar um procedimento de apuração criminal em outro num simples passe de mágica, anomalia capaz de ferir os mais comezinhos princípios processuais penais.

Ainda que o TCO lavrado esteja repleto de equívocos e lacunas que precisem ser consertadas. Nesse caso, a requisição de diligência deve ser direcionada para quem conduziu a apuração. Inexiste qualquer previsão legal ou autorização jurisprudencial ou doutrinária para requisição de diligências à Polícia Civil em termo circunstanciado de ocorrência lavrado pela Polícia Militar (até porque a PM sequer pode lavrar o procedimento, como grifado).

Por tudo quanto foi exposto, a requisição é absolutamente ilegal, razão pela qual não pode ser cumprida.

Não se desconhece a norma disposta no art. 13, II do CPP, segundo a qual incumbe à autoridade policial realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público. Entretanto, por requisição entende-se a:

Exigência para a realização de algo, fundamentada em lei. Assim, não se deve confundir requisição com ordem, pois nem o representante do Ministério Público, nem tampouco o juiz, são superiores hierárquicos do delegado, motivo pelo qual não lhe podem dar ordens. Requisitar a instauração do inquérito significa um requerimento lastreado em lei, fazendo com que a autoridade policial cumpra a norma e não a vontade particular do promotor ou do magistrado. (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 151).

 

Possui o mesmo status do requerimento de diligências formulado pelo investigado, em razão do princípio da separação de poderes (que confere discricionariedade ao delegado de polícia) e do postulado da isonomia material (que norteia o eventual futuro processo) (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. São Paulo: RT, 2007, p. 117).

Destarte, não se trata de indeferimento da requisição, mas de não cumprimento mediante o apontamento motivado das razões (AVENA. Norberto Claudio Pancaro. Processo penal esquematizado. São Paulo: Método, 2013, p. 159).

Por tudo quanto foi exposto, mediante análise técnico-jurídica do fato na condução da investigação policial, no exercício das funções de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado (art. 2º, caput e §6º da Lei 12.830/13), com a devida vênia ao posicionamento do membro do MP, determino o retorno dos autos ao Ministério Público.

 

cidade/estado, diade mêsde ano 

 

 

nome

Delegado de Polícia