MODELO RELATÓRIO FINAL - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

02/05/2011 18:21

RELATÓRIO

Inquérito Policial nº.:

Infração Penal........: FURTO ( ART. 155 DO CP )

Autor...........: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Vítima................: XXXXXXXXXXXXXXXXX

 

Ínclito Magistrado,

 

A POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO, representada neste ato pelo Delegado de Polícia subscritor, que no uso de suas atribuições legais e regulamentares conferidas pelo artigo 144, §4º, da Constituição Federal, artigo 140, da Constituição Estadual Paulista, artigo 4º e seguintes do Código de Processo Penal Brasileiro, artigo 12, da Portaria DGP-18/1998, e demais dispositivos legais correlatos, respeitosamente reporta-se a Vossa Excelência ofertando o presente

 

RELATÓRIO FINAL DE INQUÉRITO POLICIAL

 

Expondo, para tanto, os seus substratos fáticos e jurídicos e as providências de polícia judiciária adotadas no caso em epígrafe.

 I-) DOS FATOS

 O presente Inquérito Policial foi instaurado mediante notícia crime imediata por meio de Portaria, devido ao fato de haver chegado ao conhecimento desta Autoridade de Polícia Judiciária os fatos abaixo relatados.

 Foi apresentada nesta Distrital uma ocorrência em que a Polícia Militar deteve X, ora autor, pela prática do delito previsto no artigo 155, caput do Código Penal. Segundo o condutor da ocorrência, o policial Y, ele estava efetuando patrulhamento de rotina pela circunscrição desta Delegacia de Polícia, quando foi abordado por um cidadão pedindo apoio devido a uma suposta prática do crime de furto.

 Ato contínuo, os milicianos dirigiram-se até o estabelecimento onde os fatos haviam ocorrido e lá se depararam com o autor do furto. Sem perder tempo, os policiais abordaram o suspeito e efetuaram sua revista pessoal. Com ele foram encontrados dois relógios e uma carteira.

 O condutor informou, outrossim, que o suspeito não ofereceu qualquer resistência e apenas se defendeu dizendo que havia, de fato, furtado um relógio e uma carteira, pois o outro relógio já era de sua propriedade. Diante disso, foi-lhe dada “voz de prisão” e todos foram conduzidos até esta Unidade Policial.

 O funcionário do estabelecimento comercial onde se deram os fatos também foi ouvido por esta Autoridade e informou que estava efetuando seu trabalho atendendo os clientes da loja, inclusive o senhor Leonildo, quando se distraiu ao atender uma ligação telefônica. A testemunha afirma que, nesse momento, o autor aproveitou de seu descuido e subtraiu dois relógios e uma carteira de seu estabelecimento.

 Assim que a testemunha percebeu a falta dos relógios, ela passou a indagar o autor sobre o fato. Diante de suas indagações, o autor devolveu um dos relógios e os dois começaram a discutir. Tal imbróglio fez com que a testemunha chamasse os policiais militares que passavam pela rua. Já com o apoio dos agentes da lei, eles encontraram outro relógio e uma carteira em posse do autor, Leonildo. Por derradeiro, a testemunha salientou que os objetos subtraídos não perfazem a quantia de cinqüenta reais.

 Após, foi ouvida a vítima, A. Ele informou que é proprietário do estabelecimento onde se deram os fatos, mas que não se encontrava no local no momento do ocorrido. A vítima afirma que os objetos subtraídos pelo autor perfazem, no máximo, a quantia de cinqüenta reais. Ademais, a vítima fez questão de salientar que nem tinha o interesse de acionar a polícia, pois conhece o autor dos fatos e sabe que se trata de uma pessoa boa, mas com deficiência mental.

 Por fim, o autor dos fatos foi ouvido por esta Autoridade Policial e afirmou que estava na loja para tentar trocar um relógio que havia comprado lá anteriormente e que, no momento em que o vendedor se distraiu, ele se apossou de dois relógios e uma carteira, sendo que um dos relógios foi devolvido incontinenti. Em seguida, ele informou que o vendedor passou a indagá-lo sobre o outro relógio, ocasião em que o policial militar interveio e o abordou, encontrando os demais objetos subtraídos. Ele salientou, por derradeiro, que sofre de epilepsia em vem recebendo cuidados médicos devido a esta doença.

 Em estreita síntese, foram estes os fatos ocorridos e apresentados nesta Delegacia de Polícia. Passamos agora a fundamentação do nosso convencimento.

 II-) DO DIREITO

 Como é cediço, na teoria do delito há duas correntes que se destacam ao definir o crime. Conforme a teoria tripartida do crime, a qual nos filiamos, o delito se configura com a ocorrência de um fato típico, ilícito e culpável. Assim, sempre que se constatar a ausência de um desses requisitos, não haverá crime.

 Nesse ponto, devemos destacar que, seja qual for a teoria adotada, o fato típico, primeiro elemento do delito, deve ser analisado para que se possa constatar a ocorrência de uma infração penal. Configurando-se a existência de um fato típico, passa-se posteriormente a análise de sua ilicitude. Caso contrário, se restar comprovada a ausência de tipicidade da conduta, o fato não poderá ser acoimado de criminoso, dispensando-se, de pronto, a análise da ilicitude.

 O fato típico, por sua vez, possui os seguintes elementos: conduta, resultado, nexo de causalidade e tipicidade. Com relação a este último elemento do fato típico, qual seja, a tipicidade, a doutrina nos ensina que ela se divide em tipicidade formal ou legal e tipicidade material.

 A tipicidade formal seria apenas a subsunção de um fato a um tipo previsto no Código Penal. Por outro lado, a tipicidade material se caracteriza naquelas condutas consideradas mais graves pelo Direito e que ferem os bens jurídicos mais importantes.

 O Direito Penal tem por finalidade a proteção dos bens tidos como mais importantes dentro de uma sociedade, sendo que o princípio da intervenção mínima assevera que nem todo bem é passível de proteção por parte do estado, assim como nem toda lesão a um bem jurídico é significante a ponto de merecer a repressão penal. Em síntese, a tipicidade material defende que apenas as lesões mais graves aos bens jurídicos mais importantes é que merecem a proteção do Direito Penal.

 Dito isto, devemos salientar, outrossim, a importância do princípio da insignificância dentro do Direito. O referido princípio só demanda a força repressora do Direito Penal naquelas lesões mais graves aos bens jurídicos mais importantes. Assim, não podemos falar em crime quando se tratar de infrações de bagatela, pois, nesses casos, não é possível se constatar a presença da tipicidade material, essencial para o conceito moderno de crime.

 O professor Luiz Flávio Gomes nos dá o conceito de crime insignificante: “infração bagatelar ou delito de bagatela ou crime insignificante expressa o fato de ninharia, de pouca relevância. Em outras palavras, é uma conduta ou um ataque ao bem jurídico tão irrelevante que não requer a (ou não necessita da) intervenção penal. Resulta desproporcional a intervenção penal nesse caso. O fato insignificante, destarte, deve ficar reservado para outras áreas do Direito” (GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. ­pág. 15).

 Não podemos olvidar que a aplicação do princípio da insignificância é defendida pelo próprio Supremo Tribunal Federal sempre que presentes os seguintes vetores: ausência de periculosidade social da ação; mínima ofensividade da conduta do agente; inexpressividade da lesão jurídica causada; e a falta de reprovabilidade da conduta.

 Desse modo, vislumbramos clara a aplicação do referido princípio no presente caso, senão vejamos. A conduta do agente apresentou ausência de periculosidade, uma vez que se trata de um crime em que não há violência ou grave ameaça a vítima nem à sociedade. A ofensividade da conduta foi mínima, pois não causou maiores danos a vítima. A lesão ao bem jurídico (patrimônio) foi inexpressiva, tanto que a vítima nem queria acionar a polícia, pois seu prejuízo foi irrelevante, o que comprova também a falta de reprovabilidade da conduta.

 Nesse diapasão, encontramos amparo na jurisprudência:

 EMENTA: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DEPOLÍTICA CRIMINAL. CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADEPENAL, EM SEU ASPECTO MATERIAL. DELITO DE FURTO. CONDENAÇÃOIMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE. “RESFURTIVA” NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIOMÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR). DOUTRINA. CONSIDERAÇÕES EM TORNO

DA JURISPRUDÊNCIA DO STF. CUMULATIVA OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE, DOSREQUISITOS PERTINENTES À PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E AO“PERICULUM IN MORA”. MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA. (HC 84412 MC/SP)

 

HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO SIMPLES. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO.
1- Reconhece-se a aplicação do princípio da insignificância quando verificadas a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
2- No caso, não há como deixar de reconhecer a mínima ofensividade do comportamento do paciente, que tentou subtrair 6 (seis) pacotes de chocolate e 17 (dezessete) barras de chocolates, avaliados globalmente em R$ 94,19 (noventa e quatro reais e dezenove centavos), sendo rigor o reconhecimento da atipicidade da conduta
3- Segundo a jurisprudência consolidada nesta Corte e também nos Supremo Tribunal, a existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso, não impedem a aplicação do princípio da insignificância.
4- Ordem concedida a fim de, aplicando o princípio da insignificância, absolver o paciente do crime de que cuida a ação penal nº 050.05.091434-0 que tramitou perante a 21ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo/SP.
 III-) CONCLUSÃO
 Frente ao exposto, em razão da oitiva de todas as testemunhas, bem como pela declaração da vítima e do autor dos fatos, esta Autoridade Policial formou seu convencimento no sentido de não ratificar a “voz de prisão” dada pelo policial militar, por entender que o delito do artigo 155 do Código Penal não se configurou em virtude da aplicação do princípio da insignificância, que exclui a tipicidade material do fato e afasta o próprio crime.
 É mister destacar que os objetos subtraídos foram apreendidos por esta Autoridade de Polícia Judiciária e serão submetidos a exame pericial. 
 Por fim, em não havendo outras diligências essenciais à comprovação dos fatos e de suas circunstâncias, dou por encerrado este Inquérito Policial, remetendo-o, tempestivamente, a este douto Magistrado para sua apreciação.

 É o relatório.

 São Paulo, 28 de julho de 2010.

 

                   FRANCISCO SANNINI NETO

                        Delegado de Polícia