Adulteração de Placa, com Fita Adesiva: Infração Penal ou Administrativa

04/05/2011 18:33

 

“ADULTERAÇÃO DE PLACA, COM FITA ADESIVA”:

INFRAÇÃO PENAL OU ADMINISTRATIVA?

 

 

Devemos “a priori” analisar o texto do artigo 311 do Código Penal Brasileiro, que dispõe sobre o crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, tipificando como infração penal a conduta de “Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento”, vale dizer, quaisquer outros sinais identificadores “obrigatórios” (monobloco, motor, câmbio, vidro) semelhantes ao que tange o número de chassi.

A “ratio legis” da lei n º 9.426/1996 que alterou os textos dos artigos 180, 309, 310 e 311 do Código Penal, demonstrou que o Legislador procurou coibir especificamente a adulteração ou remarcação de chassi ou qualquer outro sinal identificador obrigatório de veículo automotor de seus componentes ou equipamentos.

Visando assim combater a adulteração de seus dados caracterizadores, de modo a coibir o comércio de origem espúria, tal entendimento é ainda corroborado pela Exposição de Motivos, acostada à Mensagem 784 –MJ da Presidência da República.

          De fato não se tem, no caso em questão, uma adulteração concreta, definitiva e permanente com o objetivo de fraudar a propriedade, ou de causar relevante prejuízo patrimonial a outrem. Dessa forma bastaria simplesmente remover a fita adesiva, para apagar a adulteração e conseqüentemente a situação voltaria a normalidade.

          O objeto jurídico do preceito legal analisado é a fé pública no que se refere à propriedade, ao licenciamento e ao registro de veículos automotores.

Naturalmente não foi esse tipo de adulteração que o “Sanctor legum” (Legislador) teve em vista, quando alterou a redação do artigo 311, lhe cominando um aumento significativo na sanção penal.

Nota-se que a modificação legislativa teve o intuito de somente punir as adulterações perenes, que causam fraudes significativas, engendrando prejuízo patrimonial, e não apenas simples alterações deléveis, que tem o escopo de burlar multas administrativas.

Tal entendimento é ainda ratificado pelo Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997), que trata sobre a “identificação de veículo automotor”, conforme dispõe na Seção III, artigos 114 (sinal de identificação obrigatório) e 115 (sinal de identificação externo):

  

Art. 114. O veículo será identificado obrigatoriamente por caracteres gravados no chassi ou no monobloco, reproduzidos em outras partes, conforme dispuser o CONTRAN.

Art. 115. O veículo será identificado externamente por meio de placas dianteira e traseira, sendo esta lacrada em sua estrutura, obedecidas às especificações e modelos estabelecidos pelo CONTRAN.

 

Assim sendo, as “placas” dianteiras e traseiras de veículo automotor, no nosso entendimento, configuram uma mera identificação “externa” do veículo, distinto, portanto do sinal de identificação “obrigatório”, que configura o tipo penal do artigo 311 do Código Penal Brasileiro.

Diante do exposto, na esfera penal a placa não pode ser considerada de maneira “lato sensu” como um “sinal identificador” de veículo, ou seja, a conduta de adulterar placa com fita adesiva, caracteriza-se criminalmente como uma figura atípica, devendo o fato, ser punido apenas no âmbito administrativo (multa).

Uma amplitude leviana dessa exegese, sob nossa ótica nos levaria a extremar os sinais identificadores obrigatórios: (chassi, monobloco, motor, câmbio, vidro), os equiparando aos sinais identificadores externos: (placa), ferindo dessa forma os princípios da reserva legal e da segurança jurídica.

Logo se reclama uma acepção jurídica estrita, ditada pela necessidade de exclusão do que não é passível de suportar materialmente, sinal identificador externo gravado indelevelmente.

Devemos então aplicar a norma legal, através de uma interpretação restritiva "lex plus scripsit, minus voluit", por conseguinte a linguagem da lei diz mais do que se pretendia dizer.

Segundo a orientação jurisprudencial majoritária, o uso de fita adesiva, para alterar letra ou número de placa, com o escopo de impedir multas de trânsito, é fato punível somente no campo administrativo, e não gera conseqüências de cunho penal, por isso é classificada meramente como uma infração de natureza extrapenal.

O Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 230, assenta sobre a cabível e pertinente infração administrativa:

 

Art. 230. Conduzir o veículo:

I - com o lacre, a inscrição do chassi, o selo, a placa ou qualquer outro elemento de identificação do veículo violado ou falsificado;

Infração ‑ média; Penalidade ‑ multa.

 

 

Aplica-se, desse modo o princípio da especialidade, onde a lei especial (Lei nº 9.503/1997, artigo 230 do C.T.B) derroga a lei geral (Lei nº 9.426/1996, alterou o artigo 311 do C.P.B) “lex specialis derogat generali”, bem como o do princípio da lei posterior que derroga o da lei anterior “lex posterior derogat priori”.

          Em síntese, compreendemos que os infratores flagrados na condução de veículo automotor, com os números ou letras das placas alteradas por fita adesiva, devem apenas responder pela infração administrativa descrita no Código de Trânsito Brasileiro.

 
Luciano Manente, Delegado de Polícia no Estado de São Paulo, Especialista em Direito Penal pela FMU.