SENTENÇA versando a respeito de MERCADORIA IMPRÓPRIA A CONSUMO e imperiosidade de PERÍCIA

04/05/2011 15:17

 

SENTENÇA versando a respeito de MERCADORIA IMPRÓPRIA A CONSUMO e imperiosidade de PERÍCIA.
publicada em 20-11-2008, pelo Dr. Juvino Henrique Souza Brito

 

Ementa:
AÇÃO PENAL - DENÚNCIA SOBRE VENDA DE MERCADORIA ESTRAGADA. CRIME da Lei 8.137/70 - NECESSIDADE DE PERÍCIA A COMPROVAR LESIVIDADE.
PRODUTO APREENDIDO E INCINERADO - IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAR O EXAME PERICIAL.ABSOLVIÇÃO DIANTE DA INSUFICIÊNCIA DE PROVA PARA CONFIRMAR A MATERIALIDADE DELITIVA.

 

Juízo da 3ª Vara Criminal

Autos nº 1199771-6/2006.

 

                                               SENTENÇA

 

 

                                                               VISTOS etc.

 

                                                               O Ministério Público do Estado da Bahia, com suporte em documentação oriunda da Divisão de Vigilância Sanitária da Municipalidade local, denunciou CLEMILTON REIS CURVELO, que tem qualificação e endereço no feito em referência acima, dando o denunciado por incurso nas sanções do art. 7º, inc. IX, da Lei Federal nº 8.137/91, a cuidar sobre Crimes contra as Relações de Consumo.

 

                                               Narra a prefacial acusatória que o aludido denunciado, em 03 de agosto de 2005, sendo responsável pelo AÇOUGUE REIS, com endereço na Av. Frei Benjamin, 1924, nesta Cidade, tinha ali expostos “seis quilos de carne bovina estragada para venda, imprópria para o consumo e em total desacordo com as determinações legais”(SIC – denúncia de fl. 02), produto que resultou apreendido e inutilizado, consoante informa o fotocopiado Termo nº 2615, constante em fl. 05 dos presentes Autos.

 

                                               Recebida tal denúncia a 01/02/2007, mediante despacho de fl. 08 do mencionado feito, ainda lá restou determinada regular citação do acusado, procedida conforme se estampa em respectivo mandado e certidão de fls. 09 e 09v, sendo o réu afinal interrogado na conformidade do quanto atermado às fls. 10/11 retro.

 

Subseqüente, adveio Defesa Prévia, inclusive a arrolar duas testemunhas (doc. - fl. 13), ocorrendo em audiência posterior a coleta de depoimento do rol testemunhal apresentado pela Instituição denunciante, que logo a seguir, ao ser concitada a propósito de tópico considerado necessário, manifestara-se com seu novo entendimento, em especial, no sentido de que haveria necessidade de prova pericial para comprovar a impropriedade da carne apreendida, aliás, inexistente neste processado e sem condições de ser realizada, porquanto antes ocorrera, além da apreensão, também a inutilização da mercadoria que se apontou como deteriorada, a teor do quanto assenta o aludido Termo. Assim, veio à tona imediato posicionamento pela Promotoria Pública então acusadora, pondo de pronto suas ALEGAÇÕES FINAIS, substanciosamente expendidas (fls. 23/28), culminando com o requerimento para que se 

exarasse “absolvição do réu ante a insuficiência de provas”.

 

A seu turno, no desenvolver da marcha processual, a Defesa constituída apresentou o instrumento-memorial de fls. 28/38, onde postula que todo o aforado assaque acusatório, aqui submetido a exame, seja julgado improcedente.

 

           É relatório, em síntese do contido na instaurada Ação Penal, que agora passo a decidir, com a fundamentação legalmente imprescindível.

 

                                              Prosperam, diante do evidente acerto, as derradeiras súplicas que este caderno processual carreia. É que, na realidade, a legislação atrás invocada adveio concernindo sobre “vender, ter em depósito para vender ou expor à venda, ou de qualquer forma, entregar matéria prima ou mercadoria, em condições impróprias para consumo”, enquanto o atual Código de Defesa do Consumidor, com alguma sintonia e complementando, regulou que seriam impróprios para o consumo      “I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.”

 

                                               Realça-se, na busca de melhorar uma compreensão da qüaestio, que a legislação supra referida, sem configurar confronto e definindo, erigiu norma penal em branco, ao referir no tocante “mercadoria imprópria para o consumo”, haja vista, por exemplo, o caso em tela se fechar na hipótese do transcrito inciso III, “os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam”, ou seja, ao consumo humano. Ora, se é rotulada a impropriedade do produto para o consumo pelo homem, não deveria o legislador admitir a potencialidade lesiva antes de comprovar, por meio de perícia hábil, a eventual periculosidade da mercadoria, evitando-se prejuízo ao réu, que logo é colocado como sujeito ativo de crime. Isto, até porquanto a expressão ”qualquer motivo”, deveras propiciara uma interpretação extensiva, inadequada ao Direito Penal. Desta forma, malgrado alguma jurisprudência realmente assevere que bastaria aquela descrita conduta do réu para configuração do delito, tendo em vista se tratar de crime formal e de perigo abstrato, ou seja, que não exige lesão ou dano, contentando-se com a mera potencialidade lesiva, não há como se comprovar materialidade da infração, se depois da fiscalização ou durante a instrução criminal não foi feita perícia da carne apreendida, com objetivo de se comprovar a sua efetiva periculosidade.

 

        Ao derredor da temática, melhor dizendo, no tocante ao ponto abordado, contrapostos entendimentos extraídos na jurisprudência pátria, iniciando-se com posição do STF, seguem abaixo:

 

RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. ART. 7º, INCISO IX, DA LEI N.º 8.137/90. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. INVERSÃO DO JULGADO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 07 DO STJ. 1. Consoante jurisprudência consolidada nesta Egrégia Corte, o delito tipificado no art. 7º, inciso IX, da Lei n.º 8.137/90 é um crime formal e de perigo abstrato, ou seja, que não exige lesão ou dano, contentando-se com a mera potencialidade lesiva. 2. In casu, tanto a sentença monocrática quanto o acórdão recorrido absolveram os Réus, por inexistência de provas para a condenação (art. 386, inciso VI, do CPP). Destarte, a inversão do julgado implicaria, necessariamente, o reexame do conjunto fático-probatório, o que não se coaduna com a via eleita, consoante a Súmula nº 7 do STJ. 3. Recurso especial não conhecido.

 

EMENTA:  APELAÇÃO. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. MERCADORIA IMPRÓPRIA. PERÍCIA. É indispensável a realização de perícia que ateste a má qualidade da mercadoria apreendida para comprovar a materialidade do delito previsto no art. 7º, IX, da Lei nº 8.137/90. Absolvição mantida. Apelo improvido. Unânime. (Apelação Crime Nº 70020066106, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 12/07/2007).

 

EMENTA:  APELAÇÃO. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. ART. 7º, INCISO IX DA LEI Nº 8.137/90. MERCADORIA IMPÓPRIA. Não havendo constatação da impropriedade do produto apreendido, não há como presumir que a ré mantivesse em depósito para vender ou expor à venda mercadoria imprópria ao consumo humano. Apelo provido para absolver a apelante. Unânime. (Apelação Crime Nº 70018147744, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 22/03/2007).

                              

                                             Avoluma-se nos Pretórios deste País o acervo dos julgamentos onde é asseverada imprescindibilidade da perícia para demonstração da materialidade delitiva nas situações fáticas descritas, como bem reforçam os exemplos trazidos à colação pelo denunciante Ministério Público, com as discussões acontecidas ao longo deles, cabendo aqui ser posta fiel transcrição das

ementas a seguir:

              

PRODUTO IMPRÓPRIO PARA CONSUMO – CARNE – PERÍCIA. É indispensável a realização de perícia, em se tratando   de carne bovina, para a comprovação da materialidade do delito do art. 7º, IX, da Lei  nº 8137/90. Precedentes da Corte.(TJRS, Embargos Infringentes 7000838669, julgados em 14/05/2004, tendo Relatoria do Des. GASPAR MARQUES BATISTA, por maioria).


CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. MERCADORIA IMPRÓPRIA PARA O CONSUMO. PERÍCIA. É indispensável a realização de perícia para comprovar a materialidade do delito previsto no art. 7º, IX, da Lei nº 8.137/90. Absolvição mantida” (Apelação crime nº 70007449853 julgada em 11/12/2003, pela QUARTA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL).

 

        Também o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ao julgar o RHC 80090-4, tendo por Relator o ex-Ministro ILMAR GALVÃO, colocou em relevo a seguinte argumentação textual do recorrente:

 

      “(...) A capitulação prevista no art. 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90, que faz menção a condições impróprias para consumo, vem explicitada pelo art. 18, §6º, do Código de Defesa do Consumidor, onde em seus três incisos trata de situações diversas, que comportam tratamento também diferente. Assim, é que os incisos II e III, por óbvio, exigem a constatação pericial para que se comprove a sua impropriedade para o consumo. De outro lado, o inciso I é categórico ao dispor que materializa-se como impróprio para o consumo o produto que esteja com prazo de validade vencido.” (RHC nº 80090-4, julgado em 09-05-2000, DJU de 16-06-2000).

 

               Mais recentemente, a mesma Suprema Corte pátria, através de decisão monocrática proferida por um seu luminar integrante, em todas as letras quadrou insculpir com autoridade de sempre expressada inteligência, abordando sobre Mercadoria Imprópria ao Consumo e Perícia:


“O tipo previsto no inciso IX, do art. 7º, da Lei 8.137/90 ("Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo: ... IX - vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo;") pressupõe a demonstração inequívoca da impropriedade do produto para o uso. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para absolver os pacientes da condenação por crime contra as relações de consumo (Lei 8.137/90, art. 7º, IX), decorrente da fabricação de produtos para consumo em desconformidade com normas regulamentares e sem registro no Ministério da Saúde. Considerou-se que, no caso, embora se tratasse de crime formal, o elemento do tipo não fora comprovado no processo ante a inexistência de perícia que atestasse a imprestabilidade das mercadorias ao consumo. Ademais, ressaltou-se que a tipificação desse crime estaria vinculada ao art. 18, § 6º, do Código de Defesa do Consumidor, o qual estabelece os produtos impróprios ao consumo ("§ 6° São impróprios ao uso e consumo: I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.")”. (HC 90779/PR, rel. Min. CARLOS BRITTO, 17.6.2008, sem grifos no texto original).

 

                                                                                                            Ademais, é indiscutível que se trabalha nesta seara com a busca da verdade real, através de prova cabal para que seja imputada uma condenação a quem se acha acusado. Por derradeiro, em que pese o mesmo ter sido indiciado por infração administrativa, deve, se houver alguma punição, limitar-se àquela esfera, que possui meios próprios para coibir tais condutas. Nesse sentido está a abalizada doutrina, expressando in verbis:

 

                                              “(...) se outras formas de sanções ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela deste bem, a sua criminalização será inadequada e desnecessária. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito, revelarem-se incapazes de dar a tutela devida aos bens relevantes na vida do individuo e da própria sociedade” (BITENCOURT,Cezar Roberto, in Lições de direito penal – parte geral, pág. 32).

 

                                                             Ante o exposto e por tudo que consta nos joeirados Autos, acolhendo as súplicas, tanto da Promotoria de Justiça, como da Defesa constituída, supedaneado nas disposições do art. 386, inc. VI, do Código de Processo Penal em vigor, absolvo o acusado das imputações contra o mesmo assacadas no exórdio denunciantório, pela inexistência de suficiente prova para ensejar sua condenação, sendo que a absolvição ora proferida, igualmente cabe ser tributada à falta da prova de existência do próprio fato antes tido por criminoso.

 

                                                 Publique-se. Intime-se. Registre-se esta ou arquive-se-lhe uma autêntica cópia em Pasta a tanto destinada, efetuando-se baixa no registro-tombo.

 

                                                             Vitória da Conquista(BA), novembro, 19, 2008.

 

                                                             JUVINO HENRIQUE SOUZA BRITO - Juiz de Direito